sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

À minha irmã

É normal as pessoas citarem nomes ao final de seus textos, como forma de dedicatória a alguém querido, especial. Contudo, a minha dedicatória vem no início, no título. Vem no começo porque já começo pensando em você, e paro meus estudos para escrevê-lo, pois ao me dar conta de você, nada mais soa tão importante quanto escrever.

Minha irmã! Eu estive relembrando há pouco um episódio do final da semana passada, em que estive em casa, apesar da semana de provas iminente. 
Subi as escadas, enfiando-me no meu quarto, fugindo do mundo e das minhas obrigatoriedades, tendo visto o quão próxima estava a data da prova de estágio sobre a qual eu amontoara expectativas, e já não conseguia mais desfazer o amontoado! Como estudar para a faculdade e provas externas simultaneamente? Matérias diferentes? Pouco tempo? Cansaço? Não se pode agarrar o mundo com as mãos, mas o que se pode?

Em meio à frustração, você aparece logo na minha janela, como quem não foi informada do que está ocorrendo mas foi ver o que era. Logo você, minha pequena, olhos do mar. Insistiu à minha janela, e eu não tendo atendido, foi à minha porta: trancada. Apesar de meus instintos falarem que não, meu coração insistiu para que eu abrisse a porta, bem, olhe, sua irmã está ali! Ela dizia algo que eu não pude entender. 

Abri a porta, e lá estava ela, me olhando, uma colher em uma das mãos, equilibrando o conteúdo, e a outra mão aparando o leite condensado que escorria pelas bordas. E disse, quando a encarei: "Lígia, pega, o leite condensado vai cair!", toda preocupada. 

Por isso, escrevo este texto, para me desculpar. Como eu poderia recusar o leite condensado? Meu coração até dói com o fato. Eu não poderia ter recusado essa oferta mesmo com os dentes escovados, afinal de contas, o leite condensado estava quase escorrendo!!! 
Mas eu disse não. E minha irmã me olhou incrédula, e eu senti um ar de decepção e desentendimento ali. E nessas horas eu me pergunto se não passei dos limites e não cresci demais, demais. 

Quando eu era pequena, eu não oferecia leite condensado para o meu irmão, mas, sim, brigava pelo pote com ele, disputava para ver quem ia raspar o fundo quando minha mãe fazia bolo. Então, oras, que condições eu dou para minha irmã brincar com a criança que existe em mim? Ou, que eu pelo menos respeite a criança que ela é, e não atrapalhe o processo. 

É dicotômico. Eu fico com saudades, e se volto para casa em época de provas, chego radiante, sorrindo, mas logo fico estressada e incomunicável diante das provas. De que adianta? 

Não sei ser muito bem metade de algo: prefiro ser inteira. Talvez eu devesse ser dois inteiros de uma: uma inteiro estudante e uma inteiro irmã/ filha. Mas não sei lidar muito bem com essa troca de cenários. Me confundo com tantos sentimentos e me ausento das pequenas felicidades que, ao final das contas, me tornariam um ser humano inteiramente melhor, de modo que eu não precisasse ser duas de mim, uma só bastaria. 

Equilíbrio, amigos, esta é a palavra. Mas a palavra em si não diz nada, e os poucos vocábulos os quais detenho são insuficientes para fazer-me completa. 

Por isso, irmã, amiga, companheira, dedico cada frase, cada oração, verbo, ponto e vírgula, deste texto a você. Quero que você continue sendo essa maravilha de pessoa, bondosa, solidária, que vai atrás da gente mesmo com o leite moça escorrendo da colher. Mesmo quando estiver na universidade, se quiser estudar em uma. Eu te amo muito, muito, muito. 



...Dedico esse texto também a todas as colheres de leite condensado.