domingo, 17 de novembro de 2019

Quem é o Melhor Médico?


Meu objetivo não é ser “a melhor”.
Almejo o olhar clínico, não um olhar frio, distante, mas um olhar claro, focado e humano.
A humanidade é uma característica que, apesar das tentativas de definição pelos mais variados dicionários, conhecê-la não significa ter a capacidade de praticá-la. É metafísica, abstrato. E se você não tem, não consegue expressar, não consegue tocar o seu paciente com sua presença, mesmo tendo todo o conteúdo do Harrison na cuca. 
Como disse, não quero ser a melhor, mas quero ser ao menos a melhor parte de mim em cada momento.
Não seria estranho, contudo, se acaso me perguntassem o porquê de “ser a melhor” não estar entre minhas ambições, por mil motivos. E a resposta é simples, ao mesmo tempo que pode não ser tão simples assim.
Não quero ser a melhor pois, talvez, hipoteticamente falando, a melhor não tenha humildade suficiente em algum momento em que ela seja muito necessária. Portanto, se ela era a melhor, deixaria, portanto, de ser naquele instante. 
A melhor pode ter as mãos mais firmes e precisas para uma cirurgia bastante delicada. Entretanto, certa incapacidade de transmitir tamanha técnica e confiança para seus aprendizes torna tal habilidade autolimitada temporalmente, e os próximos médicos a liderar os procedimentos serão, portanto, tão bons quanto? 
O melhor dos médicos, tanto técnica quanto humanamente, educado, esforçado, empático, resiliente. Não está passando por um bom momento. Atribulações pessoais tornaram-no esta semana um homem mais frio e impessoal do que habitual.
A questão que está sendo aqui abordada, essencialmente, não é sobre ser ou não o melhor. É sobre humanidade e sobre respeitar o tempo necessário para que possamos evoluir, tanto no aspecto pessoal como no profissional. 

Por exemplo: é muito comum a cobrança excessiva e desgastante à qual nos submetemos, às vezes inconscientemente, em prol de objetivos que nem sempre valem tanto a pena, como um CR digno de ser emoldurado e pendurado, no mínimo, na parede do quarto. Mas a Medicina vai além disso, mesmo que pareça, durante a faculdade, o oposto. 

O melhor é o melhor? Digo, o melhor é o melhor como? Qual o quesito? Em que momento? Do ponto de vista de quem? 

Aqui, peço licença para substituir a palavra “melhor” por “bom”.

Antes de sermos os melhores, aspiremos sermos “bons”.

Primeiramente podemos ser bons com nós mesmos - nossos próprios pensamentos, auto cuidado e compreensão. É de suma importância fomentar esse pensamento desde o início da faculdade. Parece jargão, mas quem está conosco em todos os momentos somos nós mesmos. Não foi bem em uma prova? Faz parte, não fique se culpando por isso. Estude, mas ter um tempo para relaxar pode ajudar a reter o conteúdo. Seja leve.

Também podemos ser bons com quem está ao nosso lado, como colegas, amigos, professores, familiares, vizinhos. Logo, logo, seremos bons com nossos pacientes também, assim que encontrá-los, no ciclo clínico, internato, residência, e na vida adiante. E, de bom em bom, vamos nos tornando versões melhores das nossas capacidades, com um toque de leveza e amor em cada escolha feita.

Assim, aprende-se a regar seu jardim, apesar das ervas daninhas, sabendo lidar com isso. Cultivando amor em tudo que faz, mesmo na pressa, na dúvida, na frustração: apressa-se amando, duvida amando, frustra-se amando, mesmo que nem se dê conta disso. 

E, por não ser o melhor, (mas sendo bom, sim!) dá a atenção necessária ao seu paciente, o escuta, pensa no diagnóstico, o examina, relembra sobre o que aprendera na faculdade, sem muito peso sobre seus ombros. E, não pesando, fica mais fácil, mais dócil, mais humano, mais certo, mais médico, em todas as ocasiões da sua vida. Penso que ser médico é algo também sobre saber viver, porque muito do aprendizado está no dia a dia, em saber contornar muitos problemas sem perder a cabeça... afinal, precisamos dela pra pensar nas melhores condutas!

Então, o melhor médico pode existir, sim!!!
Ele surge dos bons médicos, aos olhos do paciente.