terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Degradê celino

Na minha época de colégio conheci um garoto fino, educado, intuitivo, na medida. Aos poucos ele ia tornando-se mais, e gradualmente, tornava-se menos, e até que às vezes desaparecia, para n'outro dia reaparecer, e todos achavam isso um pouco estranho, mas ele era adorável, e logo todo mundo simpatizava novamente com ele.

Estava entre todos nós, gostava de se inteirar dos assuntos, olhos vívidos, tão vívidos, que chegava a alcançar quase tudo... e, depois, como quem cansa, ele se afastava, se omitia, mesmo que ali permanecesse - não chamava tanta atenção, seu humor era mais selvagem, mais denso e frio. Mas sempre estava ali para quem o procurasse e quisesse ver.

Havia dias, geralmente no inverno, dias nebulosos, em que ele parecia escorrer por entre nós. Poderíamos pensar que estava ali, mas, já que nossos olhos não o alcançavam, ele dava uma escapulida, e tornava-se o que não podemos imaginar, afinal de contas, suas possibilidades eram muitas, apesar de não sabemos quais, exatamente. 

De uma sabedoria e inteligência ímpares, indecifráveis, que não se espera encontrar em ninguém, quanto mais em um adulto jovem. Escutava muitas histórias, ouvia muito de muita gente... Apesar disso, sua boca era um túmulo, e fofoca não o transpassava. ( Na verdade, ele acabava por ouvir tudo mesmo, ainda que não dissessem diretamente a ele, talvez, isso, até hoje).

Então, certa vez, fui espiar para entender melhor o que ele era, pois, curiosa como sou, notei muitas peculiaridades naquela criatura e, para a minha surpresa, meu amigo de um salto criara asas! Voou, voou, voou, tão alto que, quando pude perceber, ele se transformara em céu, um céu em degradê, de fim de tarde, bonito, mas escurecido, tonalizado gradativamente com azul acinzentado, azul escuro, azul marinho, azul claro, amarelo e abóbora, até o morro. Quis saber mais sobre ele, só que não pude mais alcançá-lo, estava longe...

Desde então, não mais o vira.

Só sei que Celino estará sempre aqui, de ouvidos bem abertos, de braços abertos, todo acalourado como sempre, querendo saber de tudo e com o olhar curioso de como quem tem um mundo inteiro pra saber como cuidar. 

E foi assim que se deu origem à lenda do menino Degradê Celino, que nunca mais por aqui foi visto, mas quem o viu, todo dia, à noite, dá uma espiadinha no céu, na esperança de revê-lo em sua forma de menino.


(Imagem retirada do Google )

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