quinta-feira, 14 de junho de 2018

Ginecologia e Geriatria

Os dias no internato são diferentes do ciclo clínico, e agora, chegando ao fim do 9º período (que é o primeiro período do internato) isso fica, para mim, mais claro.

Pretendo aqui abordar um pouco do que foi esse último rodízio que já finda, porém antes, pontuo tópicos que considero importantes.

Primeiramente, é preciso entender que o internato exige disciplina. Em outras faculdades, que têm em média quatro anos de duração, você já estaria formada. Isso demonstra que você já tem muito conhecimento e metodologia de estudo adquiridos, embora possa pensar o contrário (eu!).  Logo, arregace as mangas e que os trabalhos comecem!

Aproveite cada módulo, cada especialidade e estude simultaneamente para a residência. Isso facilita caso haja dúvidas, pois você pode tirá-las diretamente com o professor, além de facilitar o aprendizado, pois ao mesmo tempo que estuda a teoria, você revê a matéria, só que na prática, e pode discutí-la com os colegas. É uma maneira inteligente de fixar e compreender, de fato, o que está sendo lido.

Então, como disse inicialmente, estou rodando atualmente nas especialidades: Ginecologia, Geriatria e Medicina Legal, tendo Ginecologia a maior carga horária. 

Inicialmente, admito que eu tinha um certo preconceito com relação à Ginecologia, pois não pensei que possuísse muita afinidade com ela. Apesar disso, quando se é interno, é importante manter a mente aberta a possibilidades, pois o estranhamento pode ser fruto da falta de contato com a área. 
Então, no decorrer das semanas, após inúmeros atendimentos, anamneses e exames físicos, entre colher preventivo, perguntar a data de menarca e outros detalhes não menos importantes, vamos entendendo o porquê de cada pergunta, por mais trivial que ela pareça ser. Tem cheiro? Qual a cor? Dói? E só a paciente tem as respostas, e nós temos que saber ouvir e, mais do que isso, saber o que perguntar, e em quê prestar atenção para a história ter sentido. Todo paciente tem uma história, você só a extrai e põe em uma forma pra enxergar o diagnóstico e tratar. 
Assim, faltando poucas semanas para o final deste rodízio, sinto que estou bem mais inteirada do universus vaginalis. A Ginecologia é uma especialidade sem igual, pois possibilita um universo de procedimentos e condutas, não se trata apenas sobre "tratar corrimento" como já ouvi de colegas. Os fatores de risco são bem explorados principalmente para cânceres, muitas vezes a história familiar é bem valorizada, solicitando-se exames e há um acompanhamento periódico próximo, que permite uma terapêutica adequada de caso a caso. 
Hoje mesmo, tive prática de Gineco, e as condutas já estão claras para a maioria dos estudantes, solicitamos colposcopia para mulheres com até 64 anos, preenchemos a solicitação dos exames, mamografia, USGTV, avaliamos o BIHADS e a radiografia. É interessante.


Também estou tendo contato com a Geriatria, pela primeira vez de modo específico. Meus professores são geriatras, com outras especializações: um é clínico (requisito para a residência em Geriatria), outros dois são Neurologistas.

Antes de tudo, é sempre bom lembrar que a Geriatria abrange pessoas a partir de seus jovens 35 anos. É claro que a maior parte dos pacientes têm idades mais avançadas, porém, por motivo de buscar uma boa qualidade de vida na 3ª idade, o acompanhamento pode começar na prevenção das enfermidades que um corpo jovem mal assistido pode adquirir com o tempo, sendo um processo natural. Assim, a Geriatria atua na prevenção primária, secundária e terciária da saúde de seus pacientes.

Minhas aulas são as segundas-feiras à tarde no ambulatório da faculdade e às quartas-feiras à tarde, no hospital Caxias D'Or, no auditório. Tivemos a oportunidade de, na segunda semana de aula, fazermos anamnese em um paciente a cada dois alunos (fomos divididos em duplas). Com essa experiência, vimos que os 40 minutos destinados à anamnese passaram voando, a causa? Eu não sei o que mais pesou, se foi a doença de alzheimer, como uma síndrome demencial presente, ou as muitas histórias que precisam ser rebobinadas aos poucos, e que, para não entrelaçarem, são contadas com cuidado. Foi difícil, de fato, saber a causa da internação do paciente, e eu e minha dupla nos enrolamos um pouco nesta tarefa, pois às vezes não tínhamos as respostas que buscávamos.
Após meia hora, a cuidadora do paciente chegou e pode elucidar nossas dúvidas, mas o protagonista continuou sendo o idoso. Ele estava obnubilado, porém sua identidade do eu estava preservada. Relatou, com perfeição, suas façanhas antigas, ter sido locutor radialista, suas viagens e a universidade em Pernambuco que cursara, de Direito. Foi amigo de grandes figuras. Tinha uma linguagem rebuscada, e era visível que se tratava de uma pessoa culta. É uma enorme gratidão estar perto de pessoas assim, e eu me senti honrada em poder cuidar dele, ao mesmo tempo que senti um pouco de tristeza, pois muito conhecimento estava ali, uma capacidade de eloquência e percepção fantásticas, mas suas memórias sobrepunham o presente, de modo que sua independência ficara comprometida, e a capacidade de ir e vir, prejudicadas. Queria pegar em sua mão e pedir desculpas, mas não sei pelo o quê. Carinho e tristeza misturados, ainda que só o conhecesse há poucos minutos. 

Além desse dia, tivemos outras aulas e fizemos atendimentos em pacientes ambulatoriais. É bem recorrente casos de síndrome Parkinsoniana, e achei que a doença de Alzheimer esteve menos presente nos pacientes. A Geriatria é complexa pois dificilmente o paciente terá apenas uma queixa, e é preciso cuidar cada parte de modo que o todo fique saudável. Saber dosar, alterar e avaliar a retirada e prescrição de cada medicação anti-hipertensiva é crucial. Em um dos atendimentos diagnosticamos uma HAS mascarada, com a realização de MRPA e pudemos ajustar a dose do medicamento, tendo sido a MRPA de fundamental importância pois, caso não fosse diagnosticada, futuramente haveria lesão em órgãos-alvo, prejudicando o quadro clínico e prognóstico do paciente. 

Desse modo, é possível observar que a Geriatria é complexa e exige estudo e atualização constantes, além de uma humanidade extraordinária, para os que fazem por amor. Não é normal um idoso não enxergar, não ouvir bem, ter problemas gástricos, pois há tratamentos disponíveis. Pacientes socialmente distantes com Parkinson não tratado, através da medicação em dose correta, com ajustes no decorrer do tempo, voltaram às atividades diárias e conquistaram novamente sua independência, até correndo pelos corredores do ambulatório enquanto eram avaliados pelo médico. Outro paciente, em outro dia, fez questão de agradecer a cada aluno presente na sala de seu atendimento (éramos em torno de 7 pessoas) após seu atendimento, surpreendendo a todos, e sua simpatia era simplesmente contagiante, com sua boina de português - que ele julgava feia - , sobre a cadeira de rodas. 

Vou finalizando por aqui, pois preciso ainda estudar já que a prova de Geriatria se aproxima, mas vocês podem ter certeza de que, independentemente da especialidade, todo atendimento é uma lição, um aprendizado, mas diante de pessoas que têm tanto para contar, essa lição vem em doses dobradas!!! =D 



Abraços!!!



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